O director do Programa Africano no instituto de estudos britânico Chatham House considera que a onda de exonerações em Angola demonstra que o novo Presidente, João Lourenço, “rasgou o acordo de compromisso” negociado com José Eduardo dos Santos. É possível. Mas Dos Santos tem muitas cópias (algumas espalhadas por vários areópagos) de um enorme dossier “top secret” de… João Lourenço, e o general José Maria mostra-se disposto a liderar um contra-ataque.

“Ao fazer isto [a onda de exonerações dos últimos dias], João Lourenço rasgou o Governo de compromisso negociado com José Eduardo dos Santos por alturas da sua tomada de posse como chefe de Estado, em Setembro”, disse Alex Vines em entrevista à Lusa.
“O Presidente João Lourenço também demonstrou que a família Dos Santos já não é intocável”, acrescentou o conhecido analista britânico, que é também director de Estudos Regionais e Segurança Internacional na Chatham House, o Instituto Real de Estudos Internacionais.
“A Sonangol é a principal mudança, mas as mudanças nos meios de comunicação social e nas relações públicas também levaram a demissões nos membros da família” do antigo líder angolano.
O Presidente de Angola, na última semana, tem-se multiplicado em exonerações nos principais cargos da estrutura de poder no país, desde a principal empresa, a Sonangol, até aos chefes de polícia e também na área judicial.
“A prioridade de João Lourenço foi a reforma económica, como a indústria petrolífera”, diz Vines, acrescentando que “o despedimento de Isabel dos Santos é parte desta estratégia que apontou aos principais pilares da economia angolana: o petróleo, com a Sonangol, a indústria dos diamantes, com a Endiama, e as finanças, com o Banco Nacional de Angola”, cujos líderes foram exonerados.
No geral, vinca Alex Vines, “isto significa que a família Dos Santos vai ter de andar com cuidado e mostrar cada vez mais as suas capacidades tecnocráticas”, apontando ainda que “o erro de Isabel dos Santos foi que tinha pouca experiência na indústria petrolífera e subcontratou [a gestão] a consultores quando ela própria não estava preparada para se focar completamente na Sonangol até chegar aos últimos meses”.
O panorama para a família do antigo Presidente pode até piorar, considera este analista, salientando que apesar de José Eduardo dos Santos “ainda ser o presidente do MPLA, está a perder força e com a saúde fraca”, por isso “não é certo quando o MPLA vai fazer um congresso para alinhar Lourenço como chefe de Estado e do partido” no poder.
“Quando deixar de ser presidente do MPLA, ou a sua saúde piorar, poderá haver mais pressão política sobre a sua família”, vaticina Vines.

José Maria não aceita

Pois é. Mas, até lá, como é que o clã dos Santos vai engolir a “traição” e o “desrespeito” de João Lourenço? O general António José Maria, afastado esta semana do Serviço de Inteligência e de Segurança Militar, terá já dito a José Eduardo dos Santos estar pronto para a “guerra”, pedindo “instruções” sobre o que pretende o ex-presidente.
José Maria passou muito tempo, sobretudo a partir do momento em que Eduardo dos Santos disse que não seria candidato do MPLA às eleições de Agosto e se aventou que o candidato seria João Lourenço, a reunir informações, dados, documentos, testemunhos (no país e no estrangeiro) sobre o actual Presidente da República.
“O Serviço de Inteligência e de Segurança Militar esteve em exclusivo a trabalhar, por ordem do general Zé Maria, numa espécie de Paradise papers of João Lourenço”, contou ao Folha uma fonte ligada ao general.
O Bureau Político do MPLA ainda está com a “espinha” chamada agora de João Lourenço atravessada na garganta. Mas certo é, igualmente, que quando se perde o Poder a maioria dos acólitos saltam a barricada. Parecendo que, nesta altura, José Eduardo dos Santos até o mais moderado, o cenário de implosão no partido e, por inerência, no país, continua em cima da mesa.
O general José Maria é dos que considera que as decisões em catadupa que estão a ser tomadas pelo Presidente da República, João Lourenço, são uma caça às bruxas no MPLA e uma lavagem da sua imagem, “quase parecendo que JLo nada tem a ver com o MPLA e que só agora chegou à política angolana”.
Mais do que o conteúdo dos pronunciamentos e das decisões já tomadas, o núcleo duro do MPLA que, curiosamente, conseguiu adquirir a simpatia e o respeito de militantes considerados moderados, contesta a avidez e o “ataque kamikaze” que relembra uma “tese marxista de que o importante não é a sociedade que ser construir mas, apenas, a que ser quer destruir”, diz uma outra fonte do F8.
João Lourenço tem, de facto, demonstrado que quer, pode manda, mesmo que isso mais não seja do que a passagem de um atestado de incompetência do anterior executivo ao qual, aliás, pertenceu enquanto ministro da Defesa e como alto dirigente do próprio MPLA.
“A decisão, revelada ontem, do histórico militante do MPLA e ex-membro do Comité Central, Ambrósio Lukoki, apelando para que José Eduardo dos Santos abandone a Presidência do partido, mais não é que a hipocrisia de quem, tendo muitos telhados de vidro, acredita que esses seus telhados são à prova de bala, mas não são”, comenta um outro histórico do MPLA exilado na Europa.
A interpretação de que João Lourenço só responde perante a Constituição, que solenemente jurou cumprir, esbarra e colide nas regras partidárias que fizeram jurisprudência nos últimos 38 anos e que dizem que todas essas decisões de Estado não podem contrariar a soberana orientação do partido.
Recentemente, talvez prevendo a inabilidade política de João Lourenço, Dino Matross disse sem meias palavras que “o Presidente da República subordina-se ao presidente do partido”, e que compete ao presidente do partido “propor e submeter, ao pronunciamento do Bureau Político, a composição orgânica e nominal do Executivo”.
Numa síntese linear e simplificada, dir-se-á que João Lourenço não deve primeiro obediência à Constituição, mas às orientações do partido. E nada disso tem sido feito, sobretudo quando as medidas, as reestruturações e os pronunciamentos do novo Presidente revelam perante a opinião pública que, afinal, o anterior Presidente não foi tão competente quanto se dizia, corroborado por alguns dos seus principais colaboradores, entre os quais o próprio João Lourenço.